Longe dos olhos?

Eu não hesito em mudar o ditado, porque nos dias de hoje os olhos virtuais mantém perto.  Ausente, longe do coração.

Com vertentes para:

  • Offline, longe do coração.
  • Bloqueado, longe do coração.
  • Não fuçado, longe do coração.

 

Adote o seu.

 

Coração morno

Coração, essa fênix. Dispa-me da tua armadura, dessas cicatrizes doloridas, arranque de ti mesmo o que machuca. Recicla. E abra-te novo, de novo, ao que te faz sorrir. 
Entrega-te ao que desperta esse teu sorriso mais uma vez. Cura.
Que quando voltas a bater é porque o o passado cicatrizou.
E continua sorrindo morno assim ao que quer tanto te fazer bem.

“Adultos não olham para o céu”

Essa vida é mesmo mágica. E cada vez mais eu tenho certeza disso, do quanto vamos vivendo um dia após o outro, fechados no nosso próprio mundinho, umbigo mesquinho. Fazia muito tempo que eu não prestava atenção na vida, nas sincronicidades, em sinais. Até que conheci o Senhor Jamal semana passada e levei um choque de realidade, um chacoalhão. Hoje não foi diferente e sinto cada vez mais que existe alguma coisa muito maior nessa vida. Chamem de Deus, de energia, do que quiserem. Existe alguém tentando conversar comigo, me provar ou mostrar alguma coisa, existe alguma coisa acontecendo que vai além do meu entendimento. Um nudge, a vida têm me dado nudges.

Hoje resolvi acordar cedo e caminhar até o parque para ler um dos meus livros do curso. Minha cabeça tem rodado com uma monografia que não termina nunca. O dia está bonito e venta muito.
Sentei-me no banco do Chalfont Park, a poucos minutos de casa e abri meu livro sobre estratégia de marketing. Algumas crianças brincavam lá do outro lado, o vento gerava um silêncio branco, cortado apenas pela voz de uma menina que arrastava seus patins na grama:
– Bonita essa borboleta azul na sua nuca.
– Obrigada, querida. Mas ela não é azul, é preta.
A menina, que deveria ter cerca de sete anos de idade, apenas sorriu com a minha resposta e então mudou de assunto.
– O que você está lendo?
– Um livro sobre marketing.
– E o que é isso?
– Coisas que adultos fazem pra você gastar dinheiro um dia.
– Você é adulto?
– Acho que sim…
– Achar não é ser.
– Então talvez eu não seja. E você, é criança?
– Sou. E serei para sempre. 
– E por que?  É ruim ser adulto?
– Adultos não podem chorar e brincar. Adultos não olham para o céu.
Por um segundo eu questionei a afirmação da menina, que parecia tão óbvia. Adultos não olham para o céu. Desviei minha percepção e entendi que a conversa era apenas infantil, como deveria ser. Mais uma criança, certíssima em não querer crescer. Foi então que ela resolveu voltar a brincar, mas antes disso me disse sorrindo:
– Quando eu crescer, vou querer uma borboleta azul igual a sua. 
Foi então que eu não me dei mais ao trabalho de dizer que a borboleta não é azul, porque aquilo me parecia similar demais. Borboletas azuis. Deus, isso sou eu, é a minha vida, borboletas azuis têm um significado imenso para mim. Por que aquela menina insistia que a minha tatuagem era uma borboleta azul? Em uma fração de segundos, cheia de perguntas em um impulso instintivo, eu gritei enquanto ela arrastava os patins na grama:
– Ei, menina, qual teu nome?
Ela se virou, sorriu novamente e disse:
– Angelina.
Meu coração está disparado até agora. A necessidade de perguntar um nome foi a mesma que senti com o Senhor Jamal, uma prova física de existência, uma prova física de que eu não estava alucinando. Se eu não estivesse aberta para esse tipo de sincronicidade, talvez nunca teria entendido a essência destes acontecimentos. E  não entendo o motivo, mas estou disposta a perceber a dimensão de tudo isso. Alguém está tentando me mostrar alguma coisa, me parece muito claro.
Borboletas azuis são extremamente presentes na minha vida, desde que uma lagarta fez um casulo na casa dos meus avós. Eu disse uma vez aqui, em 2007, “Para mais uma vez unir meu passado distante com alguma coisa do presente, que eu só descobrirei no futuro. Como em todos os meus raros encontros com a borboleta azul”. Tive que voltar nesse texto para procurar respostas. Como se eu já soubesse há cinco anos, a borboleta azul vem como um ciclo, ela sempre aparece para mim quando une o passado com o presente. “A menina da borboleta azul” é um dos meus textos mais importantes, pessoalmente, é um auto-retrato da minha parte criança. A borboleta azul é um resquício da minha essência, e quando ela aparece, eu sinto ciclos da vida se interligando. A última vez que vi uma borboleta azul foi pouco antes de mudar toda a minha vida para o Reino Unido.
E adultos não olham para o céu. Muitas vezes olho para o céu e percebo o quanto a gente não o faz quando cresce. Já analisei esse ponto em mim várias vezes, eu era vidrada em olhar para o céu quando criança. Eu deitava no sofá da sala, que ficava embaixo da janela, e passava horas olhando o céu. Eu era a criança que deitava na grama, na areia, eu passava horas inventando formas nas nuvens. Eu fui a criança que guardou um pedaço do céu. E hoje eu me limito às noites claras e ao telescópio.
Sobre Angelina. Nome da minha bisavó. Significado? Mensageiro.
Acho que não preciso entender mais nada, a vida está cada vez mais clara. A borboleta azul, que não existe no hemisfério norte, veio através de um mensageiro, para me mostrar novamente uma intercessão entre o passado e o presente. A minha chuva de sapos. Deixa o passado ir, olhe para o céu. E me sinto novamente abençoada por ainda estar disposta a depositar um pouco de atenção às sincronicidades. Eu prestei atenção aos sinais. O entendimento deixo por conta da minha alma.
E se Angelina, assim como o Senhor Jamal, era real, não saberei dizer mais uma vez. A verdade é que descobri uma coisa importantíssima: a primeira conversa de um anjo sempre começa com um elogio.

Desabafo: Brasil, um país de deslumbrados.

Você nasce no meio de uma ditadura militar, logo depois da queda de Geisel e entrada de João Figueiredo. Desta época, não se lembra de muita coisa, embora não seja preciso vasculhar tanto a memória em busca de pequenas confusões mentais na vida de uma criança. Poxa vida, o pacote de figurinhas hoje está cinco vezes mais caro do que ontem. Mãe, esse dinheiro não deu para o pão, custa o dobro hoje. Para quem foi criança no começo da década de 80, dias como estes foram constantes. Um zilhão de mudanças de planos: cruzado, cruzeiros, cruzados novos, cruzeiros novos, um zilhão de coisas que não se podia fazer.
Tancredo Neves foi eleito Presidente, festas nas ruas, e tudo então começou a ser normal para você. Ou pelo menos o mais parecido com o mundo de hoje.
Você cresce, olha a implementação do Real – obra de Fernando Henrique Cardoso – com vistas grossas, afinal, como é possível uma criança dos anos 80 acreditar em moeda estável? Você faz trabalhos na escola sobre a queda da didatura, sobre a Eco 92, sobre o Plano Real. Você nasceu dentro de uma constante mudança e só havia uma certeza em meio a tudo isso: o Brasil é o país do futuro. Acredita, um dia não haverá dívida externa, um dia o Brasil será uma das maiores potências econômicas do mundo, um dia o mundo precisará da gente. Porque aqui estão os recursos naturais, renováveis, a mão de obra especializada. Um dia. Um dia que não chegava nunca e só parecia conversa fiada.
Na adolescência estuda política, filosofia, sociologia, é cara-pintada e membro da UNE. Você faz parte do Impeachment do Collor. Você assiste a tudo isso de muito perto e com um entendimento ainda mais afiado. É difícil querer olhar para trás, mais difícil ainda ver o Brasil no futuro.
O tempo passa, a vida vai tomando conta e Lula, aquele cara da oposição, figurinha presente em todos os debates que você já assistiu, vira Presidente da República. Mais uma vez, o início da década de oitenta volta aos seus olhos, 1994, Collor, e agora, o que vai acontecer com este país? Oito anos se passaram e Lula elevou o Brasil à uma posição antes considerada utópica. Teve corrupção? Teve. Teve coisa errada? Muita. E logicamente, isso não foi só mérito dele, mas de uma evolução de re-estruturações econômicas que ocorreram desde a ditadura militar. Eu nunca votei no Lula, vou ser sincera com vocês. Nunca fui petista. Mas não sou hipócrita a ponto de não assumí-lo como o Presidente que esteve no poder durante uma das maiores ascenções econômicas do Brasil. Não farei nunca isso, porque mais do que manter as minhas opiniões, eu prefiro mudá-las após analisar a situação com os olhos de quem está em constante aprendizado e amadurecimento.
Você passa a vida inteira esperando por um país do futuro até que um dia, deitada na sua cama feita no hemisfério norte do planeta, a notícia que antes parecia utopia: Brasil ultrapassa o Reino Unido e entra na sexta posição de maior potência econômica do planeta. Os olhos lacrimejam. Porque melhor do que ninguém, você é residente do país ultrapassado há quatro anos, você vai ao Brasil todo ano e sabe o quanto isso é verdade. Sabe o quanto consegue comparar.
E o orgulho de ser Brasileiro, em todos os sentidos – principalmente de ter a alma brasileira, te leva até a escrever o nome do país no teu corpo. Mas algo te entristece. Te entristece ter passado por tudo isso desde a ditadura militar, te entristece ter visto tantas mudanças e evolução dentro de um povo que tem tudo pra ser o melhor do mundo. O Brasil só não é primeiro nessa grande lista, pelo que ele tem de melhor e de pior: um povo incrível e alienado. Um povo que não se leva à sério e não acredita que para se construir um país é necessário todas as mãos. Somos formados pelo melhor povo do mundo, mas nos deixamos fazer de palhaços. Porque é muito fácil e engraçado projetar piadinhas na internet por dias e dias seguidos, é muito fácil querer conquistar os quinze minutos de fama, gastar umas horinhas no Corel fazendo banner de meme de internet, ganhar quinhentos followers, e é isso que importa. Que se dane não jogar lixo no chão, brigar com quem estaciona em vaga de deficiente, que se dane reclamar do serviço público, assistir a um debate político antes de votar.
Me choca o jeito com que Brasileiro consegue pegar um comercial imobiliário da Paraíba e transformar uma pobre coitada em celebridade, por causa de uma frase. Pior. A mídia – que deveria estar focada em tantas outras coisas – entra na onda, a Publicidade apela para a total falta de talento sanguessuga e multiplica. Tudo se multiplica. O arsenal de besteira se projeta de uma forma que uma questão política jamais se projetará. Os focos estão todos errados.
Eu aqui do outro lado do mundo, sem assitir à TV Brasileira, já não aguento mais ouvir falar em Michel Teló, Pe Lanza, Luiza, Big Brother. Nunca assisti à um episódio desse Big Brother, nem li nenhum artigo, mas sei que existe um tal de Daniel que, teoricamente, estuprou uma menina bêbada. Sei que Pe Lanza é o vocalista de uma banda chamada Restart que ninguém suporta e usa calças coloridas. Mas olha que engraçado, não saberia nunca o que tem acontecido com o Ministério da Dilma, se não entrasse em algum site de jornal digno, que fale de política.
Algumas coisas no Brasil nunca darão certo. Porque Brasileiro não se leva à sério e, meu amigo, quando a gente não se leva à sério, não tem como esperar isso dos outros. Mídias sociais servem para marcar marcha da gente diferenciada, das prostitutas, dos zumbis, marcha do diabo a quatro, mas não servem pra aumentar o número de participantes de uma passeata a favor do aumento de salário para professores públicos.
A verdade é que a parcela de gente que acredita que o Brasil é muito mais  que uma Luíza ainda é muito pequena. A parcela de gente que ainda acredita que é preciso muita coisa para mudar – e que é muito fácil se mobilizar para isso – já perdeu as esperanças; quando abre um portal de notícias online e só lê sobre entretenimento. É isso. O Brasil é um país com problemas psicológicos. A gente se droga com babaquices para fugir da obrigação de encarar a realidade, levantar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa que realmente preste. Porque é muito mais fácil ser patético do que cidadão. E meu caro Carlos Nascimento, você se enganou, nós não fomos mais inteligentes. O Brasil foi e continua sendo um grande país de deslumbrados. O Brasil do futuro ainda não é presente.

As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo de que as coisas nunca mudem.
Chico Buarque

Do quanto ela ainda é presente nos seus dias.

– Porque você sempre vai procurar um pedaço dela.
E é isso o que você tem feito há muito tempo. Porque ela te prende, ainda que seja louca, errada, paranóica, ciumenta, ainda que tenha todos os defeitos do mundo. Ainda que não tenha nascido para dar certo com você. Porque o que você esconde dela é um sentimento quase insuperável, é admiração, impossibilidade. Ela te entende como ninguém. Ela divide teus filmes-cabeça, a cerveja, a parte quente da tua cama.  Ela transborda a personalidade que você não encontra nas tuas esquinas, e você sabe disso. E do que você tem mais medo é da falta de medo dela, dessa vida desregrada que ela leva para seguir o coração. Dessa dedicação em forma de porra-louquice. Uma coragem desmedida de ser quem se é. E se você falar a verdade, que ainda sente tudo isso, e se ela enlouquecer? E se disser que não, o sentimento não acabou e não vai acabar, que isso foi só uma saída para acalmar a loucura dela? A sua vida não a permite louca e você não quer atrapalhar. Mas eu sei, eu vejo o quanto ela ainda é presente nos seus dias. Você não se desapega e ela também não, a diferença é que você não fala. Ela transborda e você finge. Mas eu vejo daqui, eu vejo tudo o que você tem feito. O quanto procura seus traços nas noites vazias, o quanto tenta projetar pequenas versões ralas e inacabadas dela nesses outros pares de coxas, que não passam de pares de coxas. Quase vazias. O novo é sempre mais interessante, mas acaba quando falta algo. E algo sempre falta. A autenticidade e intensidade dela te afastam e te prendem. Justamente porque não há mais ninguém assim – e você sabe. Ela é vida. Ela é sangue correndo quente, ela é o que pulsa. Não adianta procurar. O que prende vocês dois é muito maior que amor e não importa o tanto que tente desesperadamente fugir – eu vejo – o quanto ela ainda é presente nos seus dias. O quanto ela mexe lá no fundo, no fundo de você.

Tarde

Eu tenho saudade das tardes. Esse longo espaço de tempo entre o almoço e o jantar. Eu tenho saudade do mundo que morava nas tardes. Da Tia Anastácia, do cheiro de bolinho de chuva na cozinha da minha avó. Das aulas de artesanato. Tenho saudade dos livros de arte da minha mãe, do rádio de pilha do meu avô tocando “Demônios da Garoa”, essa banda que só se toca à tarde. Tenho saudade das chuvas das tardes, do tempo fechando, dos trovões. Deus, como tenho saudade de trovões; nesta ilha tempestade é rara.
As tardes têm cheiro de chuva, café e cozinha limpa. As tardes têm gosto de bolo de fubá e fornada de padaria. As tardes eram macias e longas, intermináveis pedaços de vida onde a gente realmente vivia.
Tenho tanta saudade, onde foi que colocaram as tardes?

Calendário

E a cada dia eu o amo mais pelos pequenos detalhes. Como quando ele circula à caneta os dias que passaram no calendário da cozinha.

Amor morno é placebo

Amor é loucura para os lúcidos, zona de conforto para os loucos. Pois não sei sair do amor, posto que é dentro dele que eu moro. Porque amor que é amor há de ser louco, intenso, imediatista; amor morno é placebo. Não aprendi a assoprar para esfriar, não sei comer pelas beiradas, traga-me o amor fervendo em febre convulsiva, quero queimar a língua e beber-te com quinze por cento de teor alcoólico. Delira-me. Devora tudo que há está parado dentro de mim há mais de dois minutos, me prende, me revira o estômago e quebra minhas regras, minhas pernas. Ensina esse coração tolo a entender a sua língua pelo meu corpo, me tira o sono, provoca-me devaneios alheios à tudo aquilo que acreditei um dia. Entrega-me o que te há de mais bonito por dentro, que sou louca, mas o amor que guardo no peito é puro, é amor louco. Não me dê amor processado, requentados de um coração cicatrizado. Encanta minha vida com a sua presença longe, invade meus sonhos, minha boca, minhas coxas. Invade a minha vida e finca bandeira dentro de mim. Enlouquece. (Me). Pois que não sei viver em qualquer lugar são, se dentro do meu peito é o que de sagrado eu conheço. Pois que se me arranca da demência tola, me joga na clareza dos amores mornos, e não, lá é banal demais e eu não sei lidar. Me deixa nesse buraco sem fundo do seu amor insano, pois na loucura o cair é constante e cair não dói, o que dói é o solo. Não-duplo. Deixe-me assim em queda livre, febre ardendo, cabeça rodando, me deixa assim confortavelmente imune, pois aqui, só aqui dentro da loucura é que tem amor real, e eu nunca aprendi a viver em lugar são.